16 de abr. de 2025
Diana Fournier falando a real sobre Design
Designer e pesquisadora, Diana fala com franqueza sobre os desafios da profissão, os impactos da IA e a importância de resolver problemas reais com Design.
Na continuação da nossa série, convidamos Diana Fournier — designer com mais de 15 anos de experiência, pesquisadora e especialista em processos — para compartilhar suas vivências, inquietações e visões sobre a prática do Design de Produtos Digitais hoje.
Nesta conversa, Diana fala abertamente sobre os desafios do mercado, a valorização do trabalho estratégico, os impactos da IA e o papel do design em problemas reais — além de trazer reflexões importantes sobre carreira, portfólio e futuro da disciplina.
A seguir, você confere mais uma entrevista feita para quem está começando, para quem está em transição ou mesmo para quem já está no mercado, mas sente que ainda falta espaço para conversas sinceras sobre o que é, afinal, ser designer hoje.
Boa leitura!
— Gabriel Pinheiro
Falando a real sobre Design
Eu sou graduada em Design e atualmente Mestranda também em Design. Trabalho com isso vão fazer 16 anos e o que acho de mais interessante na área é a capacidade da disciplina em resolver problemas. O Designer nada mais é do que um resolvedor de problemas. Se nosso processo ou projeto não está endereçando uma dor existente - seja uma social, de negócios, dos usuários - o design não está cumprindo com seu propósito.

1. Como você enxerga o papel do Design de Produtos Digitais nas empresas brasileiras?
D: Esse papel já mudou tanto né? Inclusive mudando de nomenclaturas e atuações. Mas hoje, em 2025, está cada vez mais claro que o Designer de Produtos Digitais tem que estar 100% atrelado ao negócio e servir a ele, acima até mesmo das necessidades do usuário. Sejamos sinceros, é justamente isso que se espera de uma pessoa PD, pensar mais em métricas de negócio do que de fato nas dores do usuário. É lógico que isso depende muito da empresa também e ainda há muitas que olham sinceramente para a experiência dos clientes, mas no fim do dia, o que temos que entregar é o que vai trazer maior rentabilidade e lucro para a empresa.
2. Qual é o valor que o Design entrega e qual impacto pode gerar através do trabalho de um designer de produtos digitais?
D: Acho que respondi um pouco dessa pergunta na pergunta anterior. Acho que o Product Designer tem que saber entregar bem o que se propõe (seja uma interface, um fluxo, uma jornada) com excelência em visual e experiência do cliente e que enderece uma dor de negócio. Não tem como essas duas coisas estarem separadas, sempre são elas juntas: uma dor do usuário, mas que seja o caminho onde a empresa consiga alavancar seus números.
3. Quais são os principais desafios para quem busca trabalhar com Design hoje?
D: Infelizmente o que tenho visto com os layoffs ocorridos desde 2022 e com o avanço de ferramental de I.A., é a diminuição significativa das vagas juniores no mercado. Geralmente são as pessoas mais sêniors que têm melhor encontrado oportunidades (e mesmo assim com uma dificuldade). Pessoas mais juniores geralmente são atreladas a trabalhos mais operacionais e isso no design vem sendo substituído por Inteligência Artificial. Consigo ver isso acontecendo bastante em UX Research, por exemplo.
4. No seu contexto, quais são os principais desafios que você enfrenta atualmente?
D: Já enfrentei mais desafios anteriormente, hoje estou mais tranquila (risos).
Quando estava inserida 100% no mercado corporativo, os desafios enfrentados eram muitos mais políticos do que técnicos, até porque já estava em nível de liderança/liderança sênior e nossa atuação acaba sendo mais política/estratégica.
Aí o desafio que pegava bastante para mim era tentar manter as pessoas dos meus times saudáveis, seja fisicamente e mentalmente, mesmo que o que se exigia no dia a dia de todos nós fossem coisas que afetavam diretamente isso. Então por escolha própria e pessoal, após um desligamento de uma empresa de tecnologia, resolvi sair do mundo corporativo de maneira direta e hoje trabalho em consultoria como Especialista em Design.
5. Como é um dia típico de trabalho para designers? O que você faz e onde costuma concentrar mais energia?
D: No contexto de consultoria isso se difere bastante, porque depende do projeto que vocês está alocado. Já estive alocada em cliente com projeto grande de discovery e o meu dia a dia era fazer pesquisa de campo, indo visitar locais físicos para observar usuários e coletar dados. Outro cliente era mais pragmático e precisava de respostas rápidas, testes rápidos para iterar seu produto. Atualmente estou como Designer Ops e estou atuando diretamente com melhoria de Processos em Design e o que tenho colocado maior energia é em planejar roadmap e colocar ele pra rodar junto ao time de PDs.
6. Designers devem se preocupar com outras disciplinas estudando sobre Design? Existe o risco de generalização do Design de Produtos Digitais?
D: O designer sempre foi um profissional generalista, a começar se pensarmos nas suas diversas atuações como disciplina mesmo. Temos desde de designer de moda, de interiores, de games e temos os Product Designers, que nada mais é uma vertente dos Designers de Produto físico existente desde os primórdios da área e que estudava-se ergonomia, usabilidade, etc. Se a pessoa designer for apenas um resolvedor de problemas de negócio e não pensar em todas as outras interdisciplinaridades necessárias para a nossa atuação, de fato podemos ser substituído por outras áreas técnicas de produtos digitais, mas não terá o lado resolutivo humano, pensando no usuário, no ecossistema como um todo e não somente no lucro. Mas isso é uma história longa, rsrs

1. O que é mais importante saber para quem está começando? Há algo que você gostaria de ter aprendido antes de entrar na área?
D: Para ingressar na área, acredito que sim é necessário a base sobre UX Design. Entender o processo, suas ferramentas, seus ritos… Isso com certeza fará a diferença para aqueles que estão começando, mesmo que você não atue como PD e sim como os demais papéis - Service Designer, UX Researcher, etc. Eu no começo da minha carreira testei de tudo, até o lado visual, mas logo entendi que não era a minha praia! rsrs E algo que se pudesse, teria aprendido logo de cara, séria métricas de negócios, mas isso nem era o assunto do momento lá em 2010/2011, isso foi se tornar quente pelo menos uns 3, 4 anos depois, aqui no Brasil…
2. Na sua visão, existe alguma disciplina por onde faça mais sentido começar?
D: Não acho que seja por disciplina o começar melhor e sim pelo o que a pessoa acredita que pode melhor contribuir. Se você era um designer gráfico muito bom e quer ser PD, acredito que o melhor onde atuar seria como Product Designer focado em visual. Se você veio de Sociologia, Ciências Sociais e quer migrar para a área, talvez faça mais sentido tentar ser uma pessoa UX Researcher ou Service Designer.
3. O que você acredita que designers de produtos digitais iniciantes não podem deixar de aprender?
D: Métricas e modelos de negócios existentes. E dependendo do mercado que você está iniciando, aprender também sobre ele. Exemplo: Se você atua no mercado financeiro, aprenda rapidamente as principais regulamentações desse mercado, as leis, etc. Isso vale para todos os demais mercados (transporte, alimentação, imobiliário, etc).
4. Quais são os principais erros e acertos que você percebe em pessoas que estão entrando ou migrando para a área?
D: Não acho que exista um ERRO. Acho que é mais uma expectativa que os iniciantes talvez tenham que podem se frustrar que é, esperar entrar na área e já dar pulos grandes e rápidos na carreira. Isso foi até possível no boom que teve na pandemia, mas definitivamente não é o que está acontecendo agora. Vá com o pé no chão para evitar estresse.
5. E para quem busca evoluir na carreira, quais erros você entende que devem ser evitados?
D: Falta de comprometimento, talvez? Mas nem isso também encararia como “erro” ao depender do contexto que a pessoa está. Na verdade em vez de aconselhar que erro deve evitar, aconselho todos terem muita clareza de seus valores pessoais e metas, para que consiga seguir de acordo com eles sem depender das empresas. A carreira é sua, não deixe que as empresas ditem que é o melhor para você sem te conhecer e sem saber quais são suas aspirações.
6. Na sua visão, quais características técnicas diferenciam um designer Júnior, Pleno e Sênior?
D: Certa vez ouvi uma frase de um ex líder que gostei bastante que falava nas diferenças de um Jr, Pl e Sr.
“Um júnior precisa de acompanhamento e ser desenvolvido 100% do tempo, uma pessoa pleno já anda sozinha mas precisa de acompanhamento e validação e as pessoas sêniors podem andar sozinhas e inclusiva podem e devem acompanhar e desenvolver os Jrs e Pls.”
É óbvio que as diferenças técnicas são mais complexas que isso, mas é esse tipo de relação que mostra o que um Jr, Pl ou Sr pode entregar.
7. Como você enxerga a trajetória até alcançar o nível Sênior em Design de Produtos Digitais?
D: Eu sou conservadora nesse assunto. Para a pessoa se tornar sênior, SIM ELA PRECISA PASSAR PELOS OUTROS NÍVEIS de senioridade e sim, um dos requisitos que minimamente garantem isso é o tempo de carreira da pessoa.
NÃO TEM COMO SER SENIOR EM APENAS 2 ANOS, por exemplo. Não tem.
Senioridade tem a ver com experiência adquirida e sua capacidade de resolver problemas cada vez mais complexos com uma maior agilidade. E como você consegue isso? Só passando por contextos diferentes, resolvendo problemas semelhantes nesses diferentes lugares de diferentes formas. E isso tudo, definitivamente não conseguimos fazer em tão pouco tempo. Vivam os degraus de sua carreira como deve ser e ao chegar na cadeira de maior senioridade, você se sentirá mais seguro nela.
8. Como você escolhe quais temas estudar? Baseia-se nas demandas do mercado, nas tendências, nas capacidades tecnológicas ou em outros fatores?
D: Acho que depende sim de tudo isso mencionado na questões. A gente sempre tem que ficar atento ao que se pedem nas descrições das vagas, para entender se há uma tendência surgindo, etc. Também ficar atentos às novas tecnologias e como isso afeta o nosso trabalho.

1. Qual dica você daria sobre portfólio para quem está começando? Quais critérios ajudam a estruturar um portfólio efetivo e quais atributos não podem faltar?
D: Independente de ser um portfólio visual ou mais estratégico, é importantíssimo que você deixe claro qual era o objetivo do projeto, qual era o problema a ser resolvido e qual foi o impacto/resultado. Isso mostra, para quem está olhando o portfólio, como é o seu racional de solução.
2. Como desenvolver conhecimento em Design por meio de cases fictícios? E, na sua opinião, de que forma eles ajudam na busca por vagas?
D: Acho que case fictício ajuda as pessoas a terem noção de como é resolver um problema de design, mas com certeza não dá a profundidade que ocorre só no dia a dia. E sim, dependendo da vaga, pode ajudar na seleção de alguma, principalmente se for vagas mais júniores.
3. Como você acredita que um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) pode ser estruturado para proporcionar um desenvolvimento concreto?
D: Um PDI não pode ser uma lista de metas sem métricas de sucesso e que você deixa lá guardado por um bom tempo e só depois volta pra olhar. Uma coisa que costumo fazer com minhas mentorandas é fazer elas atrelarem cada meta ou objetivo do PDI ao modelo SMART de metas, vocês conhecem?
SMART significa “Specific, Measurable, Attainable, Relevant e Time based” ou seja, as metas precisam ser específicas e não subjetivas, mensuráveis, por métricas de sucesso para cada uma delas, precisam ser atingíveis, nada de por metas impossíveis, precisam ser relevantes para você, para seu contexto e por último, você precisa por um tempo de realização para cada uma delas. Não adianta colocar metas que você passa 5 anos para realizar. rsrs
4. Pensando em quem está em busca de novas oportunidades, como mostrar conquistas e resultados ao pleitear novas posições?
D: Ultimamente não tenho feito tanto isso, de mostrar minhas conquistas. Antes produzia mais conteúdo com meus aprendizados e coisas assim, mas o que faço hoje é sempre deixar meu linkedin atualizado.

1. Como você gostaria que fosse o futuro do Design? E o que seria necessário para que esse futuro se concretize?
D: O futuro do design pra mim é meio utópico. Para mim, nós designers temos a capacidade técnica para resolver problemas reais, mas estamos usando a nossa energia para resolver problemas de negócios de empresas que só visam o lucro. Se usássemos nossa capacidade intelectual para endereçar problemas reais da sociedade, com certeza colaboraríamos para melhorar o cenário que vivemos hoje.
2. Quais oportunidades você enxerga para a evolução da nossa disciplina de Design de Produtos Digitais?
D: A IA é uma realidade, estudem sobre ela e como ela pode ser um suporte ferramental para a nossa área. Além disso, tentem olhar de fato para problemas reais da sociedade, acho que nesse lugar é onde de fato geramos valor como cidadãos.
3. Como você acredita que a Inteligência Artificial vai impactar o trabalho em Design?
D: Já mudou né? Inclusive esse é o tema da minha dissertação de mestrado. Como a IA tem mudado o processo de Design em UX. Já vimos que ela chegou para ficar e tem sido o suporte para escalar nosso trabalho, agilizando tarefas que antes eram operacionais.
4. Como você vê a próxima geração de designers de produtos digitais?
D: Espero que sejam mais questionadores, mais realistas com o que vem acontecendo no mundo agora e que possam ter a escolha de melhor desenvolver suas habilidades técnicas.
Sobre a Diana
Com experiência de 16 anos na área de UX, já trabalhou em empresas como NOKIA, Tritone, Try Consultorias e Pesquisas, UOL, Viva Real, Grupo ZAP, Escale, PicPay e iFood. Atualmente é Designer Specialist na Meiuca. Manauara, tatuadora iniciante, casada, tem duas gatas e um dog vira-lata. É graduada em Design pela Universidade Federal do Amazonas (2006-2010) e pós-graduada em Gestão da Comunicação em Mídias Digitais pelo SENAC-SP (2012-2014). Atualmente mestranda (2025 - 2027) em Design na Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design, a FAUD - USP.
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Gabriel é estrategista, autor e palestrante. Publicou livros sobre design estratégico, já palestrou na UX Conf e em empresas como Itaú, Boticário, Magazine Luiza, Ifood e Livelo. Formado em design de produto, é sócio da PunkMetrics e já trabalhou em empresas como Wine.com.br, Autoglass, SKY, Handmade e Thoughtworks. Além de ajudar no desenvolvimento de outros designers, é especialista em temáticas como estratégia, ecossistemas, inovação e educação.
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